Com as orientações para suspender aulas presenciais e ajudar a conter o avanço da doença no país, mais do que simplesmente indicar ferramentas tecnológicas, é importante planejar colaborativamente possíveis propostas e metodologias para uma boa educação a distância
Por Priscila Gonsales
O coronavírus trouxe para a educação uma evidência até então bem encoberta: culturalmente, não estamos preparados para atividades pedagógicas a distância. Não estamos. Adoramos ressaltar a importância das tecnologias na educação, mas não estamos. E não estou falando dos professores somente, pois são justamente eles que, quando a coisa aperta, imediatamente são escalados para achar uma solução (bem boa e rápida de preferência) para uma urgência que até então não receberam formação sobre (nem hora extra) e que nunca havia sido cogitada antes pela instituição ou rede de educação.
Falo também das famílias que, por desconhecimento ou mesmo por necessidade de ter com quem deixar os filhos, acreditam pouco que possa ocorrer aprendizagem em qualquer lugar, não apenas na escola.
Além disso, muitos de nossos estudantes ainda estranham metodologias diferentes do esquema tradicional “transmissão de conteúdos” e não compreendem as potencialidades de autonomia que o estudo remoto pode oferecer. Sem falar na urgente questão “isolamento”… quem tem filhos grandinhos em casa, sabe do que estou falando.
E, claro, não poderia deixar de mencionar que a sociedade em geral ainda não se conscientizou que educação é responsabilidade de todos, ou seja, algo a ser feito em cooperação.
A pandemia do coronavírus está aí para apontar como precisamos (e muito!) levar em conta nossas vulnerabilidades e despreparos para promover o coletivo, a cultura de compartilhar — se passarmos a cultivar isso a partir de agora, nunca vamos perder. Recuperar o tempo do semestre letivo vai ser tranquilo se a gente puder aprender a conviver, mesmo no isolamento, e buscar adotar uma postura voltada à inovação. Como? Experimentando!
Noto que muitas instituições já estão apontando ferramentas de ensino a distância para serem usadas durante a suspensão das aulas, no intuito de tentar manter exatamente o mesmo esquema da escola e, de quebra, estão fazendo propaganda de empresas que ainda precisam lidar melhor com várias questões de proteção de nossos dados pessoais (e de nossas crianças!). A LGPD vem aí.
Talvez possamos aproveitar esse “limão” inesperado que surgiu para fazer uma boa e doce “limonada da criatividade”. Claro que não é simples, mas talvez possa ser instigante e surpreendente.
Algumas sugestões:
1) No comunicado às famílias dos alunos, além de justificar a suspensão de aulas para seguir a conduta das autoridades, por que não dizer, com humildade, que “vamos estudar” possibilidades para esse período e pedir ajuda da comunidade? Vai que tem alguém que possa e queira colaborar para uma chuva de ideias?
2) Usar alguns dos primeiros dias de suspensão para planejar em conjunto com os professores quais as possibilidades viáveis. Isso mostra que se acredita de fato no poder do coletivo e não em uma determinação hierárquica. Esse planejamento pode ser feito remotamente, assim, os próprios docentes já vão experimentando como se sentem criando algo por meio de um recurso on-line.
3) Usar e abusar do que já existe disponível na web. Em diversos formatos e mídias, há conteúdos sobre qualquer tema trabalhado nos componentes curriculares. Que tal exercitar a curadoria dos estudantes? E se eles pudessem planejar eles mesmos um roteiro de “aula” sobre um determinado tema? Quais materiais indicariam?
4) Se os estudantes não têm acesso à internet em suas casas, como poderiam exercer essa curadoria com conteúdos da televisão, por exemplo, comparando com o que eles têm nos livros e em outros materiais? E se eles criassem um programa de TV para ensinar algo que aprenderam a outras pessoas? Talvez até possam usar o celular para gravar.
5) Considerar as preferências, os perfis e as aptidões dos estudantes. Por exemplo, estimular a leitura e a reflexão dos que adoram ler (e depois criar um texto? um vídeo?). Promover a análise crítica e comparativa dos que gostam de filmes e poderiam assistir a versões diferentes para um mesmo tema.
6) Desenvolver práticas com foco em cidadania digital, como por exemplo, como surgem as fake news e a desinformação se espalha? Quais as dicas de segurança online? Como discordar com respeito? Qual a diferença entre liberdade de expressão e discurso de ódio? Simular situações reais e pedir que eles sugiram as melhores condutas é sempre uma boa proposta!
7) Passar exercícios, tarefas etc que possam ser feitas em conjunto entre pequenos grupos de alunos. Eles podem escolher qual o meio de comunicação remota mais acessível para que todos possam participar.
Seja qual for a atividade escolhida pela escola, esse é o momento para tentar fazer diferente. Aquele velho paradigma de esperar que alguém resolva a situação ou diga o que fazer, pode ser, conscientemente, deixado de lado para adotar uma postura mais proativa.
Aproveite também como oportunidade para buscar e oferecer inspirações. Contribua, colabore com outras escolas, compartilhe ideias, materiais e propostas de atividades. Que a gente saiba usar a ocasião para gerar mais cooperação.
Vale a pena conhecer:
REliA
Primeiro referatório de recursos educacionais com licenças abertas, para buscar por tipo de mídia, área do conhecimento, disciplinas etc
www.relia.org.br
Plataforma MEC-RED
Nova plataforma do MEC, lançada em 2018, que reúne recursos digitais produzidos pela pasta ao longo dos anos
https://plataformaintegrada.mec.gov.br/home
Moodle
Software livre para criação de cursos e atividades EaD. Tem uma opção grátis para até 50 participantes
https://moodle.org/
Lista Educação Aberta da Wikiversidade
Organização de links e informação sobre diversos tipos de serviços abertos que podem ser recomendados para docentes do ensino superior para utilização em atividades a distância