Mais do que realçar o bom jornalismo, filme põe em evidencia o papel da
liderança e do trabalho em equipe
Se você achou que Spotlight é só mais um filme sobre jornalismo e ponto final, vale a pena reconsiderar. O longa, que está na corrida do Oscar 2016, fala dos bastidores de uma grande reportagem sobre os escabrosos casos de pedofilia na igreja católica denunciados no início dos anos 2000 por uma série publicada no Boston Globe.
Imperdível, claro, para quem estuda jornalismo ou atua na imprensa, mas deveria também fazer parte da lista de todos que estão de alguma forma envolvidos em ações ou projetos de liderança, gestão de pessoas e desenvolvimento de trabalho em equipe.
Com um roteiro absolutamente cativante e elenco de primeira, vamos acompanhando o desenrolar da trama a partir de uma decisão, aparentemente arbitrária, de um novo chefe que chega para conduzir a redação de um dos mais influentes jornais americanos.
A função de um gestor está sempre entre os principais temas debatidos nas mais diversas profissões, da medicina à engenharia, da política à educação. Cabe a esse profissional lidar frequentemente com polaridades constantes, tais como: conduzir um grupo com leveza e firmeza, tomar decisões com ousadia e responsabilidade, ouvir seus funcionários com paciência e inquietude. Parece que tudo pode começar ou acabar na gestão.
Na área educação, a gestão de uma secretaria, de uma escola ou mesmo da sala de aula costuma ser determinante na manutenção de regras já estabelecidas ou no rompimento de estruturas tradicionais em busca de inovação. Gosto de citar o caso da professora e pesquisadora da UFRGS, Léa Fagundes, que ilustra bem essa segunda possibilidade. Pioneira em educação digital no Brasil, ela teve a audácia de desafiar a própria universidade e iniciar, na década de 90, o primeiro curso de pós-graduação a distância da instituição para um grupo de educadores da Costa Rica enquanto rolava toda a burocracia interna de aprovação do novo curso por meses a fio.
Quando os dirigentes acadêmicos finalmente a chamaram para fazer os questionamentos sobre como resolver diferenças de idioma e localização geográfica, Léa já tinha pronto um relatório de avaliação elaborado por sua equipe sobre a eficácia do processo mesmo com a precária internet disponível na época (ver entrevista no vídeo). Seu papel de liderança pode ter sido crucial, mas o trabalho em grupo de seus orientandos não ficou nem um pouco atrás. Somente com uma postura colaborativa por parte das pessoas envolvidas e o comprometimento com o projeto é que foi possível empreender uma iniciativa tão ousada como aquela.
Nesse sentido, colaboração e cooperação são os pontos altos da equipe de Spotlight. Não há um herói ou uma heroína como protagonista. O furo — se é que houve mesmo um furo de reportagem — não foi um ato glorioso de um único jornalista em destaque. O trabalho investigativo de qualidade dependeu do envolvimento coletivo de cada um, da confiança mútua e da valorização dos diferentes talentos ali disponíveis. Todos tiveram que lidar com erros, acertos, angústias e comidas de bola, e ainda contornar situações nem sempre favoráveis ao andamento do projeto, que acabou se tornando uma verdadeira causa comum. Quem dera pudéssemos vivenciar com mais frequencia “spotlights” assim em nossas relações pessoais ou profissionais, e em qualquer ambiente.
Originalmente publicado em Medium