A falta de equipamentos para todos ou a baixa conectividade não impedem o desenvolvimento de bons projetos educativos
Por Priscila Gonsales (originalmente publicado em Medium)
Fui convidada para falar sobre tecnologias emergentes na educação no encontro do Projeto Educanvisa, organizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) desde 2006 e que reúne 1.456 escolas públicas de todo o Brasil. A programação do evento, realizado nos dias 18 e 19 de setembro, em Brasília, priorizou o compartilhamento de ideias e experiências entre os professores, em uma empolgante valorização da diversidade de vozes e saberes. Em comum, todos tinham como base um projeto de educação em saúde, desenvolvido a partir de diversas metodologias participativas e em diferentes níveis de ensino.
Apesar de existir há 12 anos, o Educanvisa é ainda pouco conhecido por se tratar de uma ação de outro Ministério, o da Saúde, em parceria direta com escolas e secretarias de educação. Diversos materiais de uso educativo são produzidos e estão disponíveis para acesso e download pelo site para qualquer usuário interessado. O livro mais recente, com a sistematização de boas práticas educativas desenvolvidas nos últimos dois anos, foi lançado no evento.
Fiquei com vontade de registrar aqui um ponto que me chamou muito a atenção. Nem todos os trabalhos apresentados fizeram uso de uma tecnologia digital, mas todos, de alguma forma, trabalharam com a tecnologia digital. Parece contraditório? Pois é perfeitamente possível educar no contexto da cultura digital mesmo sem ter equipamentos disponíveis ou excelente conectividade .
A qualidade metodológica das propostas roubou a cena por conseguir relacionar diversos temas de saúde e qualidade de vida com o advento da tecnologia que permeia a sociedade atual, tais como, acesso à informação, discursos ocultos em materiais de divulgação/publicidade, interesses econômicos X interesse público, ações cooperativas em rede. Além disso, o papel do professor na mediação do processo ficou bastante evidente.
É claro que isso não invalida a luta pela ampliação do acesso à internet nas escolas, até porque segundo a pesquisa TIC Educação 2016, somente 4% das escolas públicas brasileiras têm mais de 20 Mbps de internet, valor mínimo de velocidade recomendado para uso pedagógico com os alunos.
No entanto, mesmo em um cenário ideal de conectividade e acesso, se não houver uma boa proposta pedagógica, pouca coisa vai mudar de fato. Queremos sempre mais tecnologia, mas nem sempre sabemos por que ou para que queremos. Simplesmente queremos. No entanto, precisamos mesmo é de mais metodologias do que de tecnologias para poder inovar em educação.
Pensando nisso, gostaria de propor um desafio: podemos trabalhar com tecnologia na escola sem ter a tecnologia?
Em 2013, escrevi um artigo sobre como lidar com os inconvenientes das tecnologias digitais. Algumas das recomendações são ainda bem pertinentes, mas se fosse fazer uma atualização para 2018, citaria o desenvolvimento do espírito hacker (conhecer bem um sistema para propor melhorias a partir dos recursos disponíveis) e o uso da abordagem do design thinking (empatia, colaboração e experimentação) como elementos importantes para educar com tecnologia — seja com ou sem a tecnologia.
Seguindo nesse caminho, pontuo aqui apenas algumas sugestões que podem gerar insights para planejamento e desenvolvimento de debates e/ou projetos variados, integrando diferentes componentes curriculares:
– Análise do discurso a partir de postagens nas redes sociais;
– Produção de memes com materiais “analógicos” como colagem, massinha, desenho livre etc
– Linguagem internetês, emojis e seus significados na “língua culta”;
– O que são e como funcionam os algoritmos: criação de roteirização ou sequência lógica para a realização de uma dad atividade;
– Criptografia: a matemática como chave para uma investigação;
– Chuva de ideias para usos possíveis do celular em uma atividade educativa (os alunos são excelentes parceiros para essa cocriação);
– Produção de textos curtos (capacidade de síntese) para uso em mídias com limite de caracteres;
– Comunidade virtual de prática: produção colaborativa a distância com uma outra escola do bairro ou mesmo outra turma da mesma escola;
– Identidade e selfie: quem somos ou quem queremos ser quando postamos? Outras formas de auto-representação;
– Robôs e inteligência artificial que já fazem parte de nosso cotidiano e que quase nem percebemos;
– O que já sabemos fazer usando tecnologia digital que podemos ensinar a outra pessoa;
– Privacidade: o que são dados pessoais, quais podem ser públicos e quais devem ser privados;
– Que aprendizagens não teríamos antes do acesso à internet?
– Quais os tipos de tecnologia digital já temos em nossa escola e como é utilizada;
– O que poderíamos fazer se tivéssemos mais recursos da tecnologia digital que ainda não fazemos?
Termino com o vídeo abaixo, disponível no youtube, que traz uma produção reflexiva exatamente sobre o tema “metodologia x tecnologia” que, embora embalado pelo hit “Pela Internet” do Gilberto Gil lançado há 20 anos, segue sendo desafio.