Cultura digital na educação sempre foi o foco de trabalho do Instituto Educadigital (IED); depois de cinco anos de atividades, surge uma iniciativa de mentoria online, em formato coletivo, para compartilhar conhecimento e propiciar trocas de forma mais aprofundada entre as pessoas
Lançado em abril, o #ConexãoIED é um espaço de mentoria online em formato coletivo criado com o objetivo de evidenciar a necessidade crescente de uma educação para o desenvolvimento humano. Parece um curso, mas não é. Parece um fórum de debates, mas é mais do que isso. Como toda novidade — ou um serviço com o qual não estamos acostumados —ficamos um pouco em dúvida se vale mesmo a pena participar do #Conexão, com todas as inúmeras atribuições e tarefas que já temos no nosso dia-a-dia.
Mas será que parar e olhar pra gente mesmo com mais cuidado e tentar compartilhar nossas dúvidas e ponderações com outras pessoas de forma mais aprofundada pode ser encarado como “mais uma tarefa”?
Nesta entrevista, os mentores-fundadores da iniciativa #Conexão contam um pouco mais sobre eles mesmos e sobre como surgiu essa ideia que pretende ao longo do período convidar outros mentores e mentoras para colaborarem e apoiarem a jornada dos participantes pelos quatro temas: criatividade, autoconhecimento, relações e ética digital.
Conte uma breve história pessoal de aprendizado relacionado ao seu tema – ética digital, autoconhecimento/diálogo e criatividade
Débora Sebriam – A primeira vez que eu ouvi a expressão “autoria na cultura digital” a partir de uma prática mais democrática que garantisse acesso, liberdades de utilização e melhor uso do dinheiro público foi no I Forum de Cultura Digital na Cinemateca. Era uma ideia tão simples que como educadora, eu não acreditava que nunca tinha pensado nisso antes. Nós estamos tão acostumados com os modelos estabelecidos que as vezes nos esquecemos de (re)avaliar as relações que estabelecemos com o conhecimento. Foi aí que a Educação Aberta começou a fazer todo o sentido e ser aplicada na minha vida profissional como uma filosofia mesmo. Atrelado a isso, me incomodava a maneira legalista como a questão ética era tratada pra questões relacionadas a criação de conteúdo, direito autoral e dos próprios usos que fazemos da internet. Tantas questões que exigem diálogo e uma busca por entender as transformações culturais pelas quais passamos nos últimos anos com a chegada da internet e as relações que ela proporciona que a gente estabeleça. Esse foi o impulso para uma tomada de consciência e mudança de postura profissional, um desejo de colaborar e aprender junto no lugar de somente acumular experiências individuais.
Cesar Matsumoto – Me juntei à Escola de Diálogo de São Paulo no seu comecinho, em 2008/09. E foi um clique instantâneo, daquelas conexões que simplesmente eram pra acontecer. Começamos com o primeiro curso da escola dentro da FGV chamado Liderança Dialógica e Pensamento Complexo. Foi um marco e desde então esse tema do diálogo, pensamento complexo, comunicação não-violenta tem sido parte da minha identidade. E o maior desafio pra mim foi como dialogar com minha família, meus pais e irmãos. Eu tinha certa habilidade em lidar com conflitos no trabalho/amigos, mas com a família… Era bem desafiador! E eu gostava do desafio, era um território onde as “técnicas” de comunicação não-violenta ou a metodologia Conversas Difíceis de Harvard eram postas à prova. Algumas vezes não adiantava nada e aí o conflito persistia. Mas em outras, era bonito de ver a abertura minha e dos meus familiares em maior empatia, compaixão, entendimento mútuo.
Priscila Gonsales – Lembro de um momento muito crucial na minha vida, com 10 anos de experiência em projetos de educação digital, em que eu acreditava piamente que inovar não significava ter que criar uma coisa nova a todo momento. Em vez disso, era preciso renovar o olhar para observar nuances ainda não observadas. Só que era muito difícil argumentar algo assim tão relacionado à minha própria percepção e crença em meu modo de fazer. Não havia dados numéricos. Nada que eu pudesse usar de fato para uma argumentação racional. Eu sentia uma angústia enorme por não conseguir apontar, logicamente, o porquê aos meus então interlocutores. Era angústia misturada com desapontamento. Algum tempo depois, quando conheci o design thinking e me encantei com suas possibilidades tão concretas e ao mesmo tempo tão hipotéticas, é que fui entender que não era mesmo necessário encontrar uma resposta correta. Porque no processo de aprender ou ensinar não existe um único jeito ou um modelo a seguir. Foi o DT que me desequilibrou e me provocou a querer avançar ainda mais. Ele foi e tem sido meu desafio constante. As hipóteses —tão negligenciadas pela maioria dos educadores devido ao alto grau de falibilidade que oferecem— são o grande trunfo do DT.
Como vc se conecta ao que realmente interessa?
Débora – Eu tento estar em contato presencial ou virtual com as pessoas que admiro e consulto com periodicidade os sites e canais que considero bons e trazem notícias com experiências da minha área de atuação. E busco privilegiar os contatos mais aprofundados, interlocuções que me instiguem a refletir sobre meu fazer e que me estimule a buscar melhorar cada vez mais.
Cesar – Percebi que minha vida tem ciclos, como uma espiral que passa no mesmo ponto, mas numa “oitava” acima. Em cada fase da minha vida fui descascando uma camada da cebola do meu propósito de vida, descobrindo, revelando cada faceta daquilo que me faz me sentir vivo, cumprindo o motivo da minha existência. Na minha experiência, quando estou alinhado à esse senso do meu propósito, aquilo que me interessa é o que vai dar suporte à realização desse propósito, o resto eu descarto. Com esse alinhamento firme eu simplesmente não consigo não buscar/me conectar com o que me interessa, que é o propósito. E aí tudo o mais acontece para favorecer essa busca, sejam desafios que me tiram da zona de conforto, seja um mentor adequado àquele momento de vida, seja um bom livro…
Priscila – Eu procuro estar perto de pessoas com as quais me identifico profissionalmente e pessoalmente, sabendo que isso é algo cíclico, ou seja, novas pessoas podem chegar e outras podem sair dependendo do momento de vida. Busco compartilhar sempre aprendizagens com outras pessoas, seja por meio do meu próprio trabalho, como de materiais que produzo. Como jornalista de formação, investigo muito o que leio, busco outras versões dos fatos para minha própria reflexão. E, sempre que posso, também busco me conectar com a arte, com o cinema, com a música e a dança que adoro!
Se sua casa estivesse pegando fogo e vc já tivesse conseguido salvar todos os seus entes queridos e pudesse ainda salvar uma única coisa, o que seria?
Débora – os álbuns de fotos que tenho da minha família e dos meus amigos.
César – meu computador! Rs.
Priscila – os desenhos que meus filhos faziam quando eram pequenos, guardei alguns em uma pasta
Qual sua expectativa para o #Conexão?
Débora – eu espero que seja um espaço de diálogos significativos e trocas de experiências que promovam a aprendizagem colaborativa.
César – nós temos algo a oferecer ao mundo que será útil para um conjunto específico de pessoas. Espero que elas consigam chegar até nós e nós até elas.
Priscila – nesses anos todos trabalhando formação de educadores, sinto que é preciso algo mais além de apresentar novas possibilidades práticas, é realmente importante favorecer que conversas mais aprofundadas aconteçam, que as pessoas compreendam a integralidade do desenvolvimento humano e, claro, também espero poder compartilhar minhas próprias experiências com quem quer trilhar caminhos parecidos.