Artigo de Priscila Gonsales e Bianca Santana publicado no Estadão baseado na pesquisa Retratos da Leitura no Brasil 2012.

Nem mesmo a desoladora média de 2,1 livros lidos por ano pelos brasileiros ou o fato de 75% da população do País nunca ter frequentado uma biblioteca chamam tanto a atenção na edição 2012 da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil (*1) como os resultados em relação aos livros digitais.

Pela primeira vez, o estudo traz um panorama sobre o hábito de leitura de livros digitais. Um olhar pouco cuidadoso poderia apenas destacar que 46% dos entrevistados disseram que nunca ouviram falar de livros digitais (ou e-books, como enfatiza o questionário) e, consequentemente, proclamar que esse novo suporte para o livro, ou melhor, essa nova possibilidade de leitura, está ainda muito distante da realidade.

No entanto, uma análise qualitativa sobre os resultados vai trazer à tona algo que está nas entrelinhas. Se considerarmos o grupo que afirmou já ter lido livros digitais, vamos observar que 54% dos entrevistados disseram que gostaram muito da experiência, 40% gostaram pouco e 6% responderam que não gostaram.

Esse resultado é altamente positivo apesar de vir de um pequeno percentual (18%) que afirmou ter tido contato com o livro digital. Isso imediatamente nos instiga a pensar que existe sim um interesse e uma recepção até calorosa por parte de quem já experimentou. Quem não conhece, quer conhecer (25% ) e quem já usou, gostou e quer mais (34% vão ler mais livros digitais a partir de agora). Não seria esse público o que o mercado publicitário chama de early adopter (*2)?

Outro aspecto que merece uma reflexão mais aprofundada neste contexto é o conceito e de “livro digital”. Segundo a própria pesquisa:  “Ao falar de livros, estamos falando de livros tradicionais, livros digitais/eletrônicos, áudio livros, digitais-daisy, livros em braile e apostilas escolares. Estamos excluindo manuais, catálogos, folhetos, revistas, gibis e jornais”.

Trazer uma definição geral para “livro” é um avanço importante em relação às pesquisas de anos anteriores, no entanto, a mesma conduta poderia ter sido adotada para buscar definir o que se entende por livros digitais e/ou eletrônicos. Quando se fala em livro digital, o que mais vem à mente são os dispositivos eletrônicos de suporte à leitura, os chamados “e-readers” (*3). Um livro ou um jornal em um leitor eletrônico, como o Kindle (*4), por exemplo, retoma a ideia de um produto fechado, como o impresso, com uma temporalidade também delimitada como a edição mais recente ou, no caso do jornal, a edição do dia.

A maioria dos e-readers oferece navegação semelhante ao manuseio do papel, remete quase à mesma sensação de ler um livro ou um jornal impresso. No entanto, é fundamental refletir sobre o conceito de livro digital que devemos considerar no contexto da cultura digital em que estamos. Seria meramente uma reprodução do livro em papel? Um arquivo eletrônico PDF? Uma animação multimídia cheia de cliques?

As possibilidades de leitura propiciadas por computadores, tablets, celulares e outros dispositivos extrapolam o que chamamos de livro. Como uma mídia de convergência de infinitas tecnologias e linguagens, a internet permite que textos, imagens, tabelas, infográficos, vídeos, games e diversos aplicativos multimídia possam ser simultaneamente acionados para contar uma história, seja ela ficcional ou informativa, linear ou descontínua.

Arte Fora do Museu (*5), por exemplo, é um projeto digital sobre as obras de arte que estão nas ruas de São Paulo. Ele reúne informações em textos e fotografias, que poderiam estar em um livro, mas foram publicados online, agregando vídeos e georreferenciamento das obras. É pouco provável que alguém defina o Arte Fora do Museu como um livro digital ou um e-book. Mas muitos dos que navegaram por aquelas páginas leram tanto quanto fariam em um e-book sobre o mesmo tema. Além disso, o conteúdo de um projeto como este está distribuído pela rede, no YouTube, no Facebook, no Flickr, fazendo com que as informações sejam acessadas de muitas maneiras, fragmentadas, e que se alguém tiver interesse em se aprofundar no assunto, possa sempre ser levado à fonte original.

Os e-books e os PDF de impressos não aproveitam uma importante possibilidade trazida pelo digital: o hipertexto. O termo hipertexto, cunhado por Ted Holm Nelson nos anos 1960, significa, nas palavras de Sergio Amadeu da Silveira “uma escrita não sequencial, um texto que se bifurca e que permite ao leitor escolher o que deseja ler. São blocos de textos, conectados entre si por nexos que formam diferentes itinerários para os usuários”. O hipertexto coloca a possibilidade de os indivíduos aprofundarem conhecimento nos temas que os interessem de maneira livre e autônoma. Nesse sentido, as possibilidades abertas pela digitalização de conteúdos são potencializadas pela expansão do acesso à internet.

Antes, a veiculação da informação e do conhecimento estava vinculada a suportes materiais: livros, discos, CDs, apostilas, enciclopédias. Para disseminar informações era preciso ter acesso a esses recursos materiais, caracterizando um modelo de comunicação “de um para muitos”. A internet deu a todos o poder de criar, moldar e disseminar informações com a ponta dos dedos, abrindo a possibilidade de uma comunicação “de muitos para muitos”. O modo como produzimos e consumimos informação atualmente é muito diferente do que era no curto espaço de tempo de 20 anos atrás.

Reportagem do jornal Brasil Econômico, de 23/3/2012, traz dados da pesquisa Ipso/Reuters, mostrando que 85% da comunicação no globo já é feita pela web. A maior parte do mundo está interconectada graças aos recursos de e-mail e de redes sociais, como Facebook e Twitter. E-mails são enviados e recebidos por 85% das pessoas que estão conectadas à internet e 62% delas se comunicam por sites de redes sociais. O Brasil é o 5º país em usuários conectados a essas redes. Segundo o Ibope Nielsen Online, o país atingiu 41,7 milhões de usuários de internet em outubro de 2010.

Além de os conteúdos estarem disponíveis mais facilmente, sem depender de suporte material, eles podem ser compartilhados quase que instantaneamente pela rede www.arteforadomuseu.org mundial de computadores. Segundo o sociólogo Manuel Castells, a intensidade e o ritmo acelerado das mudanças permitem afirmar que estamos vivendo uma revolução tecnológica, saindo de uma era industrial para uma era “informacional”. Esta revolução seria um evento histórico da mesma importância da Revolução Industrial do século XVIII, “induzindo um padrão de descontinuidade nas bases materiais da economia, sociedade e cultura”.

Se o gosto pelo livro digital parece ser uma questão de “ver para crer” e, segundo a maioria dos leitores (52%) a tendência é que ele conviva igualmente com os livros impressos, o ponto que continua em suspense é, sem dúvida, se essa convivência vai possibilitar o aumento no índice de leitura no Brasil.

Uma pesquisa (*6) realizada nos Estados Unidos pelo grupo de mídia e educação Scholastic e pela empresa de consultoria Harrison Group, mostra que e-books podem estimular a leitura de crianças: 57% das crianças disseram que ficariam mais interessadas em ler nos dispositivos de e-reader. Segundo o estudo, cerca de um terço das crianças disseram que leriam mais livros por prazer caso os leitores digitais estivessem a seu alcance. No entanto, 66% afirmaram que continuariam a ler livros impressos mesmo com uma maior disponibilidade do e-book.

O que poderia estimular a leitura e igualar nossos índices, no mínimo, aos de nossos vizinhos Argentina e Chile (5,4 e 4,6 livros por ano, respectivamente)(*7) passa por dois importantes aspectos. O primeiro deles envolve a conceituação de livro digital. O imenso público de internautas usuários de redes sociais no Brasil e o cada vez mais precoce contato de crianças e adolescentes com as telas digitais (29% das crianças de 5 a 9 anos já estão nas redes sociais) (*8) estão trazendo o desafio de dar novo significado à definição tradicional de livro e de leitura na era digital.

O segundo aspecto, fundamental e que faz remeter aos dados alarmantes apontados no primeiro parágrafo deste artigo, gira em torno do que chamamos de acesso. Se queremos ser um país de leitores, estamos estimulando que nossa população leia? Segundo diagnóstico do setor livreiro (*9) de 2009, verifica-se a concentração de livrarias na região Sudeste (56%), seguida pela Sul (19%), Nordeste (12%), Centro-Oeste (6%), DF (4%) e Norte (3%). Dois terços dos municípios brasileiros não possuem livraria.

Seriam os livros digitais agentes de promoção de leitura à medida que dispensam o custo de suporte material, impressão e distribuição? Durante sua participação na Festa Literária de Paraty – Flip, em 2008, o escritor inglês Neil Gaiman deu uma entrevista coletiva na qual diz não se importar se as pessoas têm acesso a seus livros, emprestando umas das outras ou se baixam gratuitamente da internet. Gailman ressalta que seu interesse é que as pessoas ingressem na “sua tribo”, uma tribo de leitores.(*10)

Se nosso desejo também combina com o de Gailman, precisamos aprofundar aqui a questão do acesso. A pesquisa traz um dado bastante curioso em relação à enorme porcentagem dos que já leram livro digital que realizaram download de obras. 87% disseram que baixaram publicação gratuitamente da internet. Desses, 38% responderam “sim” quando questionados se a publicação era “pirata”.

O termo “pirataria” vem sendo cotidianamente empregado para designar toda e qualquer obra artística ou intelectual (incluindo livros) que pode estar violando os termos de direito autoral ou copyright (*11). Há que se relativizar, no entanto, que a metáfora semântica em relação aos criminosos dos mares que roubavam ouro e outros tesouros dos navios não é a mais apropriada. Quem rouba um bem material faz, de fato, com que outra pessoa o perca. No entanto, no mundo digital não existe perda quando se faz uma cópia de uma música ou de um texto na internet. Um livro ou uma música podem ser copiados de um dispositivo para outro, sem que o cedente da cópia perca seu acesso ao conteúdo, que ainda pode ser apreciado por milhões de pessoas simultaneamente. Os bens intangíveis e imateriais não conhecem a escassez, nem o desgaste.

No início do mês de maio, quem é usuário frequente do Twitter pode acompanhar a polêmica em torno da hashtag #freelivrosdehumanas, uma manifestação pública em favor da manutenção do site de compartilhamento livrodehumanas.org (*12), criado há 3 anos, que possibilita baixar gratuitamente cerca de 2 mil livros esgotados nas áreas de filosofia, psicologia, literatura e psicanálise em formato PDF ou EPUB. O site foi retirado do ar mediante notificação da justiça a partir de uma ação movida pela Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR) que pretende enquadrar o site em uma das maiores ações de pirataria ocorridas no país.(*13) Para reunir as diversas reações contrárias a essa ação, foi criado o blog Direito de Acesso.(*14)

O caso do livrodehumanas.org é um ótimo exemplo para elaborarmos um pouco mais o que entendemos por digital e como o digital faz hoje parte da nossa sociedade – uma sociedade em constante transformação. Não se trata somente da transformação de qualquer informação em bit, apesar de se tratar também disso. Comprimir dados – sejam eles textos, áudios, vídeos ou imagens – de seu suporte material, livros, revistas ou jornais, aumenta as possibilidades de reprodução e de distribuição de conteúdos. Ou seja: aumenta as possibilidades de acesso e difusão da leitura. Para Pablo Ortellado, professor da USP e coordenador do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas para o Acesso à Informação (GPOPAI) (*15), a digitalização do livro tem um impacto fundamental na difusão do conhecimento entre classes sociais que antes não conseguiriam adquirir livros, já que a renda familiar de muitos estudantes é inferior ao valor da bibliografia solicitada em cursos universitários.

Não afirmamos com isso que o livro impresso vai acabar ou que não é possível lucrar com conteúdos digitais. Trata-se de buscar um outro modelo de negócio, que não esteja baseado em cobrar pelo acesso aos conteúdos, mas sim ao uso de serviços associados ao conteúdo. Já existem algumas iniciativas pelo mundo que podem servir de exemplo e inspiração para editoras, como a Flatword Knowledge (*16), citada na última partes deste artigo.

Yochai Benkler, professor de Direito da Universidade de Harvard e diretor do Berkman Center for Internet and Society (*17), um dos pensadores contemporâneos mais referenciados quando o assunto é movimento colaborativo como modelo de produção na era digital, traz uma reflexão interessante para destacar que trabalho realizado pelo autor de uma obra não será refeito sempre que um usuário tem acesso a ela : “Tolstoi não precisaria gastar nem mais um segundo de trabalho a fim de atender ao centésimo milionésimo leitor de Guerra e Paz, além do que gastou para atender ao primeiro leitor” (2010: 14). Diferentemente dos altos custos inerentes à impressão e à distribuição de material impresso, distribuir materiais digitais tem um custo muito baixo.

Com a expansão do acesso à internet, diversos movimentos pela liberdade de distribuir e modificar trabalhos e obras criativas têm ganhado força e se justificam pelo direito à educação e à cultura e também pelo direito do autor em decidir que usos quer permitir para sua produção. São cada vez mais conhecidos os movimentos do software livre, do Creative Commons (*18), da transparência de dados públicos, dos recursos educacionais abertos (REA).

O termo “recursos educacionais abertos” (open educational resources, em inglês, OER) foi adotado, pela primeira vez, durante um fórum da Unesco, em 2002. Trata-se do esforço de uma comunidade de educadores, políticos e usuários articulada para criar, reutilizar e propagar bens educacionais pertencentes à humanidade. Em 2007, foi publicada a Declaração da Cidade do Cabo para a Educação Aberta:

“Esse movimento emergente de educação combina a tradição de partilha de boas ideias com colegas educadores e da cultura da internet, marcada pela colaboração e interatividade. Esta metodologia de educação é construída sobre a crença de que todos devem ter a liberdade de usar, personalizar, melhorar e redistribuir os recursos educacionais, sem restrições. Educadores, estudantes e outras pessoas que partilham esta crença estão unindo-se em um esforço mundial para tornar a educação mais acessível e eficaz.”

Quando materiais didáticos e educacionais são considerados bens públicos e comuns, todos podem se beneficiar: professores, estudantes e autores interessados na utilização de sua produção. Quando tais materiais são pagos com dinheiro público, seja pelos programas de incentivo ao livro e à leitura ou por iniciativas próprias de governos produzirem materiais, faz ainda mais sentido que sejam bens públicos. E por incentivarem a produção aberta, o compartilhamento e o acesso a conteúdos, REA otimizam a utilização de recursos públicos.

Além de tais benefícios, os recursos educacionais abertos criam a oportunidade para uma transformação ainda mais fundamental na educação: a de ter educadores, estudantes e mesmo aqueles não formalmente vinculados a uma instituição de ensino envolvidos no processo criativo de desenvolver e adaptar recursos educacionais. Governos e instituições de ensino podem formar professores e alunos para a produção colaborativa de textos, imagens e vídeos de qualidade. É criado espaço para a formação continuada de professores e estudantes para a produção e edição de material didático e a apropriação de tecnologias digitais em seu cotidiano. Com a abertura dos materiais na rede, a possibilidade de formação continuada se expande a toda a sociedade.

No Brasil, nos últimos três anos, tanto governo federal como governo estadual e municipal de São Paulo começam a debater e criar leis visando o uso e o desenvolvimento de REA. O país também foi sede do Fórum Regional para a Declaração da Unesco, que convida governos do mundo todo a declarar que recursos educacionais financiados com recursos públicos devem adotar o modelo REA.

Um exemplo é o Plano Nacional de Educação (PNE) a ser votado este ano no Congresso Nacional e que estabelece diretrizes e metas para a educação no Brasil até 2020. Pela primeira vez, o PNE contempla o incentivo a REA dentro da meta 7, que foca a melhoria da qualidade por meio do aumento do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB). Ainda no âmbito federal, o Projeto de Lei 1513/2011 visa garantir que as compras públicas ou contratação de serviços e materiais educacionais sejam regidas por meio de licenças livres, permitindo a difusão e a ampliação do acesso a esses bens.

O Brasil não está sozinho no debate sobre políticas públicas de REA. Nos EUA, por exemplo, o presidente Barack Obama pretende acelerar o processo de inclusão digital em todas as escolas norte-americanas, propiciando que todos os estudantes tenham acesso a livros didáticos digitais até 2017 (ROSSINI e GONZALEZ, 2012). Além disso, abriu uma linha de financiamento de US$ 2 bilhões destinada a produção de REA em colégios comunitários (*19).

Novos modelos de negócio

Se a ampliação da disseminação de obras propiciada pela internet está promovendo uma revolução no acesso ao conhecimento, ao mesmo tempo esbarra nos interesses comerciais do mercado editorial. Nesse sentido, vale a pena remeter à situação da indústria fonográfica que tem saído na frente na direção de buscar reinventar-se com a proliferação do acesso online para música. Inúmeros artistas começam a olhar para esse cenário como uma oportunidade de divulgação e oferta de serviços derivados de seu produto, como por exemplo, o Teatro Mágico. O grupo, originário da cidade de Osasco, na Grande São Paulo, não se vincula a nenhuma gravadora, permite que o público baixe suas músicas na internet. Em entrevista à Revista Forum, Fernando Anitelli, um dos fundadores, conta que a fórmula deu tão certo que, mesmo com as canções podendo ser baixadas gratuitamente, seus CDs são vendidos às dezenas nos shows e suas turnês são cada vez mais requisitadas (*20).

Ao considerar o livro digital de uma perspectiva técnica econômica, podemos afirmar que a informação, uma vez produzida, pode ser oferecida com custo praticamente zero. É claro que a produção da informação, com todo o processo editorial que a acompanha, é cara e precisa ser devidamente remunerada e recompensada. Ou seja, o trabalho do autor que cria, produz ou desenvolve uma obra deve continuar sempre sendo remunerado. Mas é necessário criar novos modelos de negócio que deem conta desta necessidade sem restringir o acesso. Não é possível afirmar o que está por vir. Mas também não é possível negar que as mudanças estão se anunciando. Em vez de ameaça, o mundo digital pode oferecer uma oportunidade para o aumento do número de leitores e de livros publicados.

Uma editora norte-americana, a Flatworld Knowledge, já aprendeu a lucrar neste novo cenário. Pioneiramente, a editora implementou um novo modelo de negócio a partir do contexto da cultura digital, baseado no consumo sob demanda. Qualquer usuário pode ter acesso livre aos livros online, por meio de uma plataforma multimídia, que permite fazer leituras online e buscas no livro. No entanto, se o usuário deseja comprar o livro impresso, tem a opção de escolher se em cores ou preto e branco e ainda uma versão em áudio, guias e material de apoio.

No caso dos livros didáticos, a editora permite que o educador decida como quer utilizar o livro. Pode modificá-lo à vontade, alterar a ordem de capítulos, acrescentar ou retirar material, de uma forma que esse educador usuário desempenha um papel de editor do livro. Nossa experiência com formação de educadores nos últimos dez anos nos permite afirmar que todo professor gostaria de poder escolher partes de um livro para utilizar, como também a agregar a esses trechos outros materiais que julga interessante para compor seu plano de aula, ou seja, ser um receptor ativo de materiais educativos
que estão ao seu alcance. A empresa desenvolveu ainda uma comunidade de leitores dos livros, que podem conversar a qualquer momento, postar suas dúvidas online e produzir material de estudo. Nesse caso, como autor, o usuário determina o preço para disponibilizar sua produção para download.

Outra característica interessante desse modelo é que a porcentagem de direito autoral que os autores dos livros recebem é de 20% do preço de venda, bem acima da média do que é pago pelos modelos tradicionais. O lucro da empresa vem diretamente das vendas de livros impressos e em áudio, e também da venda de serviços (por exemplo, guias de estudo em podcast, exercícios, soluções animadas para problemas complexos, vídeos, flashcards etc.), que podem ser comprados individualmente (US$ 0.99) ou por assinatura semestral – US$ 19.95. Todos os autores recebem também 20% sobre esse
material comercializado.

Segundo Eric Frank, fundador da empresa, que esteve no Brasil em 2010 durante a Conferência Internacional Impacto das TIC na Educação, promovido pela SEED/Unesco, os custos que a empresa têm ainda são inferiores ao custo de manutenção de grandes editoras, que trabalham no modelo de distribuidores e representantes de vendas.

O argumento de que a cultura de compra sob demanda ainda não chegou para ficar no Brasil não combina com as recentes pesquisas. A e-bit divulgou os dados da 23ª edição do relatório WebShoppers21, com informações completas sobre o comércio eletrônico no Brasil em 2011 e mostra que os brasileiros estão comprando mais produtos pela internet.

O e-commerce nacional faturou 14,8 bilhões de reais no ano passado, com um aumento que superou a marca de 40%. Esse resultado, aliás, superou a previsão anterior da empresa, que considerava um faturamento de R$ 14,5 bilhões. Os argumentos podem ser sustentados por números: em 2010, foram feitos mais de 40 milhões de pedidos, divididos em uma base de aproximadamente 23 milhões de “e-consumidores” que gastaram, em média, R$ 373.

O caso da Flatworld ilustra como algumas iniciativas editoriais começam a se abrir para o novo. O contexto da cultura digital pede um novo olhar, ainda que, aparentemente, a forma de atuação em vigor esteja sendo eficiente e trazendo lucro. Os modelos de negócio bem-sucedidos também podem criar inércia.

Em entrevista à Revista Época em 2009, Yochai Benkler ressalta que as empresas que já estão preocupadas em olhar para seus consumidores como participantes ativos, certamente tem pela frente um vasto campo de oportunidades e não de riscos. Um clássico exemplo é o Google, uma companhia que já nasce longe da ideia de produzir produtos prontos e acabados para consumidores passivos.(*22)

Livro digital é um tema que merece ainda mais atenção do que vem recebendo por parte do mercado editorial brasileiro. Não se trata de pensar apenas no produto em si e esperar que ele revolucione. Estamos diante de um contexto complexo e exigente que pede releitura de conceitos para criar melhores serviços, compromisso de transformação social para promover o acesso e revisão de estruturas comerciais que permitam maleabilidade e adaptação constantes.

Ações e campanhas pelo livro digital

Algumas ações em prol dos livros digitais começam a surgir na rede. Uma delas é a “campanha” pela digitalização dos livros que oferece um banner para ser disponibilizado embedado em blogs e sites: http://www.ebookbr.com/2011/12/campanha-pela-popularizacao-dos-livros.html.

Outra iniciativa tem por objetivo tornar o livro acessível a portadores de necessidades especiais, apostando no potencial que o meio digital tem para favorecer essa causa: http://www.livroacessivel.org/.

A “Semana da Leitura Digital”, uma iniciativa da escritora canadense Rita Toews que existe desde 2004. Durante uma semana, que em 2012 ocorreu de 4 a 10 de março, autores e editoras oferecem milhares de livros grátis ou com grandes descontos, com o objetivo de encorajar os apaixonados pela leitura a descobrirem e experimentarem os livros digitais.: http://www.ebookweek.com/ (em inglês).

O grande destaque nesse cenário é o Projeto Gutemberg (http://www.gutenberg.org/), considerada a mais antiga biblioteca digital. Criada em 1971 por um estudante da Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, foi sendo construída por voluntários de todo o mundo ao longo dos últimos anos, que mantém em uma plataforma wiki. Disponível também em português, o projeto hoje oferece uma página especial, com iniciativas remixadas a partir dos livros, todos em domínio público: http://www.gutenberg.org/wiki/PT_Reutilizar_os_textos_do_Project_Gutenberg

Citações

BENKLER, Yochai The Wealth of Networks: How Social Production Transforms Markets and Freedom. New Haven, Conn: Yale University Press. 2006. Disponível em: www.benkler.org/Benkler_Wealth_Of_Networks.pdf

__________________. Saber Comum: Produção de Materiais Educacionais entre Pares. Revista FACED, Salvador, n.15, jan./jul. 2009. Disponível em: http://

Acesso à entrevista completa:
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,ERT53938-15228,00.html

www.benkler.org/Benkler_Wealth_Of_Networks.pdf

CASTELLS. Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999.

________________. A galáxia da internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro, Editora Zahar, 2003.

CHESBROUGHT, Henry. Modelos de Negócios Abertos. Bookman, 2012

FRIEDMAN, Thomas. O Mundo é um Plano, uma breve história do século XXI, Objetiva, 2005.

LEMOS, André. Materialidade dos Dispositivos

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