Por Portal EducaRede em 15/10/2004
A valorização da memória e dos contadores de histórias para a perpetuação da cultura entre os povos indígenas, assim como a necessidade da incorporação de novas ferramentas (gravação de vídeos, computador, dança, música) para atualizar a forma de repassar a cultura para as novas gerações, estão entre os temas abordados por Daniel Munduruku, filósofo e escritor indígena com mais de 30 livros publicados para o público infanto-juvenil, durante encontro com internautas do EducaRede.
A relação que os jovens das aldeias têm com a Internet também foi destaque no bate-papo. Munduruku está presente no mundo digital e mantém um blog com informações sobre o povo indígena. Confira os melhores momentos da conversa:
Denise – Como você iniciou sua carreira de escritor?
Daniel Muduruku – Antes de ser escritor fui educado para ser contador de histórias. Na cultura indígena, a fala é mais importante que a escrita e por isso treinamos a memória para podermos utilizá-la para passar os conhecimentos ancestrais. E foi contando histórias que iniciei minha vida de escritor. Um dia, quando terminei de contar uma história, uma menina me perguntou onde ela poderia encontrá-la para ler. Não soube o que responder, pois não tinha o hábito da escrita. Este foi o start que precisava. Depois disso passei a escrever. Meu primeiro livro teve exatamente este título: Histórias de índio. Nele eu criei uma ficção para mostrar às pessoas como era o dia-a-dia de um menino índio e o que ele faz para aprender as coisas necessárias para sua vida. Aprendi que a escrita é uma importante ferramenta para alcançar as pessoas.
Clarice – Levando em consideração que as crianças indígenas também devem valorizar mais a fala do que a escrita, qual é a resposta que elas deram em relação ao hábito da leitura?
Daniel Munduruku – Clarice (lindo nome), eu aprendi que há muitos tipos de leituras possíveis. A leitura de livros é uma modalidade possível aos alfabetizados. Os que não o são desenvolvem outras leituras da realidade, do mundo. No mundo indígena aprende-se primeiro ler a natureza. É o mais importante nesse primeiro momento. Depois aprendemos a ler as letras, mas isso já é mais difícil porque não é nosso hábito.
Marília – Seus livros são bilingues?
Daniel Munduruku – Escrevo principalmente para crianças e jovens das cidades. As crianças indígenas já sabem de algum modo o que está nos meus livros. Quando comecei a escrever tinha a intenção de ensinar os não-indígenas a conhecerem nosso mundo. Tenho apenas um livro bilingue.
Liane – Desde que você começou a escrever até agora, notou aumento da procura dos pais e mães por literatura para seus filhos?
Daniel Munduruku – Eu confesso minha surpresa com relação ao aumento da procura por esta literatura. As pessoas estão buscando algumas leituras alternativas para seus filhos e quase sempre caem na literatura indígena, pois os indígenas têm algumas coisas a ensinar que ainda não foram devidamente compreendidas. Isso tem feito com que haja uma demanda bastante grande por livros com esta temática. Acho que os pais precisam ser mais curiosos também. É assim que conseguirão motivar suas crianças.
Denise – As histórias de índios geralmente são tanto para adultos como para crianças. No mundo “civilizado” há muita distinção entre livros infantis e livros para adultos. Você escreve pensando nas crianças ou no público geral?
Daniel Munduruku – Quando escrevo meus textos não tenho preocupação com a idade do leitor. A classificação não é dada por mim, e este título de escritor infantil não é meu. Escrevo para todo mundo, sempre. Até acho que meus textos são mais para adultos do que para crianças e jovens, embora alguns deles também se encaixem nesta categoria.
Clarice – Qual é a sua análise, como homem das letras que é, em relação à pouca apropriação da população indígena ao hábito da leitura? Não estariam os indígenas mais distantes de uma sociedade que pouco valoriza a oralidade?
Daniel Munduruku – O amor ao livro é hábito que se incute. Os indígenas não possuem esse amor todo. São, principalmente, faladores. A oralidade tem que se atualizar também. Os contadores de histórias tradicionais sabem que precisam acrescentar novos elementos em suas falas para que elas fiquem mais interessantes. Creio que essa atualização (uso da escrita, da câmera de vídeo, do computador, da dança, da música) é uma forma nova dos povos indígenas se manterem vivos.
Douglas – Qual é o seu livro preferido?
Daniel Munduruku – Gosto do livro chamado Meu vô Apolinário – um mergulho no rio da (minha) memória. É uma volta às minhas origens. Lá eu conto como meu avô me ajudou a aceitar minha condição de índio.
Tatá – Eu li que você viajou para outros países. Como foi contar essas histórias lá?
Daniel Munduruku – Viajar para lugares distantes é uma experiência importante. Mesmo no Brasil, posso me sentir num outro país por conta das diferenças que existem. O que pude aprender com isso foi que a angústia de viver está presente em todo ser humano. Todos buscam compreender as razões por se estar vivo. Por incrível que pareça, as histórias são boas para isso.
Douglas – Você acha que a Internet, por meio dos blogs, por exemplo, incentiva e estimula a leitura e escrita?
Daniel Munduruku – É preciso tomar cuidado. Quem gosta de ler não vai encontrar nenhuma dificuldade em acompanhar blogs. Isso porque quem lê tem senso crítico, tem opinião, tem conhecimento suficiente para filtrar. Quem não lê tem a tendência a achar que tudo o que está num blog é verdade. E mais, vai achar que o jeito de grafar, escrever com todos os erros ortográficos possíveis, é correto também. Aí ele desaprende duas vezes. Este é o perigo.
Clarice – Contar histórias por meio de vídeos, e os celulares podem filmar, é uma nova forma de oralidade? Isso já acontece nas aldeias? Se sim, qual é a resposta das crianças em relação a isso?
Daniel Munduruku – Penso que todo instrumental moderno – quando utilizado pelos indígenas – é uma forma nova de oralidade. Dessa maneira, as crianças e jovens indígenas estão tendo a oportunidade de dar continuidade às histórias que seus avós contam ou contavam. Captar estas histórias por meio da Internet ou dos celulares é uma nova forma de oralidade, sim. E vejo que isso tem sido bem positivo para os meninos e meninas das aldeias que se sentem participando do mundo enquanto moram em uma aldeia.
Clarice – O ideal é que as histórias que nascem a partir dessa nova forma de oralidade, com novos instrumentais, sejam inseridas na Internet para todos entrarem em contato com elas. Quem faz isso? São as próprias crianças indígenas? Elas sentem facilidade em relação ao uso do computador?
Daniel Munduruku – Há muitas iniciativas pelo Brasil afora para a inclusão (palavra horrível) digital dos indígenas. Isso tem facilitado e muito o acesso dos jovens e crianças ao mundo cibernético. Eles e elas adoram a Internet e o computador como toda e qualquer criança ou jovem. Algumas aldeias conseguem postar suas mensagens, imagens e notícias diretamente. Acho isso uma maravilha!
EducaRede – O que faz o Inbrapi – Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual?
Daniel Munduruku – O Inbrapi é uma instituição criada por indígenas de diferentes povos com o objetivo de proteger os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas. Lembrem que estes conhecimentos sempre foram usurpados sem que ninguém desse a mínima importância aos seus detentores. O Inbrapi se insurge contra isso e luta para que os indígenas tenham consciência de seu poder como detentores desse saber que ajuda toda a humanidade.
Denise – Mesmo morando na cidade, você se considera próximo da cultura indígena?
Daniel Munduruku – Se você conhecer os Guarani que moram na capital, entenderá que não importa muito o lugar. Importa o conteúdo que se traz. Eu sou totalmente envolvido pela cultura indígena. Andar na Avenida Paulista é muito interessante, mas não vejo onde ela poderá diminuir a floresta que trago em mim.
Denise – Que bonita sua resposta, Daniel! Mas e para aqueles guaranis que já nasceram na capital? Não fica difícil guardar a floresta dentro de si, já que eles não a conheceram?
Daniel Munduruku – Os Guarani são educados na tradição deles. Esta tradição está pautada na busca de uma terra sem males. Ela independe do local onde estejam. É um estar no mundo.
_____________________________________
Quem é ele:
Daniel Munduruku é escritor indígena com mais de 30 livros publicados, voltados principalmente para o público infanto-juvenil. É diretor-presidente do INBRAPI – Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual, Comendador da Ordem do Mérito Cultural da Presidência da República e Pesquisador do CNPq.
Interessante matéria, aguardo mais matérias semelhante a esta, convido vc a visitar o meu artigo.