Entrevista ao Jornal Tribuna do Planalto – Ano 26 – Nº1.345 – Goiânia, 16 a 22 de setembro de 2012
O nome é novo e ainda desconhecido: Recursos Educacionais Abertos ou somente REA. “São materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte ou mídia, que estão em domínio público, ou estão licenciados de maneira aberta, permitindo que sejam utilizados ou adaptados por terceiros.” Quem explica é Débora Sebriam, uma das responsáveis pela difusão da proposta no Brasil.
A equipe do Caderno Escola a procurou para tirar dúvidas sobre o assunto e explicar o que isso tem a ver com a sala de aula. Débora é educadora e faz parte da equipe do Projeto Recursos Educacionais Abertos Brasil (REA-Brasil). Ela é mestre em Engenharia de Mídias para a Educação pelas Universidades Técnica de Lisboa, de Poitiers e Nacional de Educação à Distância de Madri.
As discussões sobre o tema estão florescendo. No início de março, foi realizada a primeira Semana Mundial da Educação Aberta. Mas o tema ganhou mais espaço na mídia brasileira a partir do final do mesmo mês, quando o Rio de Janeiro recebeu o Fórum Regional REA – América Latina, evento realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
Um de seus objetivos foi a elaboração de uma declaração que será apresentada no Congresso Mundial sobre Recursos Educacionais Abertos, a ser realizado em Paris, em junho. O assunto é internacional, mas pode se encaixar em qualquer sala de aula. Débora explica que os REA podem tornar todos os atores da educação ativos disseminadores e construtores do conhecimento.
“A autoria individual e colaborativa pode ser potencializada quando professores e alunos criam e publicam suas obras criativas, dando possibilidade para que outras pessoas possam adotar e /ou adaptar os materiais criados”, afirma. Por e-mail, ela respondeu algumas questões sobre o tema.
O que são, exatamente, os Recursos Educacionais Abertos? Quais são as possibilidades deles para o ensino?
Recursos Educacionais Abertos são materiais de ensino, aprendizado e pesquisa em qualquer suporte ou mídia, que estão em domínio público, ou estão licenciados de maneira aberta, permitindo que sejam utilizados ou adaptados por terceiros. Incluem livros, planos de aula, softwares, jogos, resenhas, trabalhos escolares, vídeos, áudios, imagens e outros.
As possibilidades são inúmeras se partirmos da compreensão de REA como bens educacionais essenciais ao usufruto do direito de acesso à educação e à cultura. Eles podem facilitar o acesso ao conhecimento das pessoas que estão nas escolas e universidades e das que estão fora delas; incentivar práticas de colaboração, participação ativa da comunidade e compartilhamento.
É também uma forma de ter melhor aproveitados os investimentos públicos investidos em material didático. Os REA garantem liberdade, inovação metodológica e criatividade de produção, além de ser uma maneira de valorizar e reconhecer o professor como autor.
Qual a aplicabilidade deles para a Educação Básica?
Para a Educação Básica, os REA podem ser adotados como política educacional. Isso poderia ser feito em várias frentes, por exemplo, com a adoção preferencial por softwares livres, incentivo ao uso e à publicação de recursos educacionais com licenças abertas.
Para professores e alunos, abre-se a possibilidade de uso, redistribuição, remix de conteúdo aberto. A autoria individual e colaborativa pode ser potencializada quando professores e alunos produzem e publicam suas obras criativas, dando possibilidade para que outras pessoas possam adotar e /ou adaptar os materiais criados.
Para todos os atores implicados na educação, os REA podem torná-los ativos disseminadores e construtores colaborativos do conhecimento. Especificamente, esses recursos também potencializam metodologias educacionais que envolvem a solução de problemas, o construtivismo e o aprendizado individualizado. Isso porque as licenças abertas permitem que aquele material educacional seja moldado não só a necessidades regionais, mas também a necessidades individuais.
Os REA, além de poderem ser o elemento essencial do currículo, podem formar uma base gigantesca de recursos complementares para aqueles alunos que precisam de reforço escolar ou que aprendem melhor por meio das tecnologias, games ou exercícios interativos. Outro ponto são as inovações que a metodologia REA trouxe para crianças e adolescentes na maneira como interagem com livros didáticos. Nesse caso, chamamos de livros didáticos abertos (do inglês Open Textbooks). Esses livros permitem grande interação do indivíduo com o livro e com comunidades de prática que surgem ao redor daquele livro. Aqui você não só colabora com alunos de sua classe ou escola, mas com alunos do mundo inteiro que adotaram aquele livro didático.
Será preciso uma formação específica de professores para o uso dos REA?
Certamente os professores têm condições de ensinar e aprender com REA! Hoje, temos um professor que integra diferentes mídias no processo pedagógico. No contexto da cultura digital e da Sociedade da Informação, o professor já faz uso de muitos materiais compartilhados na internet e também compartilha seus materiais e experiências.
REA seriam um complemento para uma formação que já caminha com pernas próprias e que enfoca novos contextos de mediação em sala de aula. Os recursos educacionais abertos são baseados nos princípios de conteúdos de aprendizagem, ferramentas de criação e propriedade intelectual. Os professores já dominam ou estão a caminho de dominar pelo menos dois princípios (conteúdos e ferramentas de criação que podem incluir mídias digitais), falta uma discussão sobre propriedade intelectual.
Um entendimento sobre licenças abertas facilita a utilização de material e abre portas para que professores autores decidam como suas obras criativas podem ser usadas por outros, sem necessidade de intermediários. E também pode contribuir para que a escola saia da sombra da pirataria e gere uma conduta mais ética em relação à pesquisa e à produção de trabalhos de professores e alunos.
Os Recursos Educacionais Abertos podem abrir portas para que professores de todo o lugar do Brasil se tornem autores. E, quem sabe, tornem-se autores que tenham suas obras e trabalhos adotados em outras regiões.
Como teve início e se desenvolve hoje o Projeto REA-Brasil?
O Projeto REA-Brasil foi fundado em 2008 por Carolina Rossini e as atividades do projeto tiveram início com a visita de uma delegação internacional de experts e desenvolvedores de REA ao Ministério da Educação e com a realização de uma série de eventos de sensibilização em São Paulo e Brasília.
Esse projeto é um dos primeiros projetos no Brasil que tentam apropriar à realidade e às perspectivas brasileiras a discussão internacional acerca de REA e da Educação Aberta. Desde então, uma comunidade ativa de mais de 300 pessoas voluntárias ajudam a consolidar a discussão sobre REA no Brasil.
Atualmente, o Projeto REA-Brasil mantém relação e oferece suporte a diversos governos e instituições brasileiras e internacionais, incentivando ações. Atuamos colaborando com colégios, secretarias municipais de educação e até mesmo com as câmaras estadual e federal de deputados. Ajudamos a organizar e participamos de eventos, conferências, palestras e atividades educativas sobre REA no Brasil.
Em eventos internacionais, mantemos conversas com algumas editoras sobre novos modelos de negócio alternativos que gerem livros didáticos abertos ou versões digitais mais acessíveis e abertas em diferentes formatos. Também participamos ativamente da construção de políticas e leis que incentivam a adoção de REA.
Quais entraves os REA ainda encontram no Brasil para se popularizarem em políticas educacionais?
O conceito REA é novo não só no Brasil e ainda há muito por fazer. Há necessidade de um grande trabalho em cultura institucional para que a cultura colaborativa e de compartilhamento por meio da internet e dos REA seja vista como algo positivo e que tira nossos professores da sombra da “pirataria”.
Muitas vezes projetos têm como objetivo gerar recursos livres e práticas colaborativas, como é o caso do Portal do Professor do MEC [Ministério da Educação], mas acabam falhando na adoção de políticas claras de como os usuários podem, de fato, utilizar e apropriar-se de tais materiais. Ademais, no Brasil, as editoras possuem grande poder econômico, político e de mídia, como vemos há alguns anos ao redor do debate das cópias dos livros e da reforma de lei de direito autoral.
Tais atores econômicos ainda têm muito receio em relação à sustentabilidade de práticas REA e como tais práticas vão afetar seu poder de mercado. Por isso, nós do Projeto REA também tentamos estudar e gerar conhecimento sobre novos modelos de negócio que podem gerar sustentabilidade para as editoras.
Por fim, o governo brasileiro, diferente de outros, como o dos EUA ou da África do Sul (este último acabou de adotar livros didáticos abertos para todas as suas escolas da rede pública), ainda está longe desse debate. No Brasil, as práticas REA têm surgido de indivíduos que levam suas ideias para suas instituições, que reconhecem REA como parte de sua função social de geração e publicação de conhecimento e pesquisa.
Link original: Tribuna do Planalto